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domingo, junho 04, 2006

Blog sobre a Copa

Neste mês festivo para os apaixonados por futebol, estarei dando expediente no blog Copa em VT, que criei para falar sobre o Mundial da Alemanha. Apareçam...

Suíte Francesa

Esta resenha saiu no Prosa e Verso, d´O Globo, deste sábado:

MIUDEZAS DA VIDA SOB A GUERRA


Obra de ucraniana é tesouro literário sobre dia-a-dia dos franceses acossados pelo nazismo

Flávio Izhaki

Suíte francesa, de Irène Némirovsky. Tradução de Rosa Freire D?Aguiar. Companhia das Letras, 533 páginas. R$55

Perseguida pelos alemães e esquecida pelos colegas franceses, Irène Némirovsky deixava diariamente seu refúgio no vilarejo ocupado de Issy-l?Évêque e caminhava para os bosques da região, onde, em papel vagabundo dos anos de Guerra, escrevia em letras miúdas ?Suíte francesa?, romance que ela imaginava com mil páginas quando completo. Ainda que não acreditasse que conseguiria terminá-lo ou vê-lo publicado.

As previsões da escritora ucraniana judia, que tinha imigrado para a França com a família em 1919 para fugir da Revolução Russa, estavam certas. Das quatro partes do romance, apenas duas foram finalizadas, pois em julho de 1942 Némirovsky foi presa e deportada para Auschwitz, onde faleceu no mês seguinte.

Obra ganhou Prêmio Renaudot na França

?Suíte francesa? restou esquecido nas páginas de um velho caderno que as duas filhas pequenas de Irène carregaram consigo em sucessivas fugas durante a Segunda Guerra. Só em 2004, mais de seis décadas depois de escrito, o livro chegou às livrarias francesas, logo despertando muita atenção da crítica e sendo louvado com o prestigioso Renaudot.

O romance de Némirovsky é dividido em duas partes. Tempestade em junho, a abertura da suíte, trata da Débâcle. Escrevendo de maneira caleidoscópica, Irène relata, amparada em fatos reais, a fuga de milhões de franceses para cidades do sul do país. Com tintas fortes, lá estão o dono do banco que viaja com sua amante, a família abastada que leva sua entourage e bens supérfluos, o padre que conduz 30 órfãos e acaba assassinado por eles e o casal de empregados de classe média que chora a ausência do filho único que está servindo no exército derrotado.

Interessante, neste ponto, comparar as personagens exploradas na Débâcle de Némirovsky, judia perseguida, com os de Jean-Paul Sartre em ?Com a morte na alma?, terceiro volume da série os caminhos da liberdade. Imersa no calor dos acontecimentos, Irène foca as histórias no caráter humano e individual para contar o ambiente geral, enquanto Sartre, em 1949, preferiu o movimento oposto, pensar nas grandes questões como liberdade, heroísmo e morte para chegar ao indivíduo.

A segunda parte, Dolce, se passa, não por coincidência, numa pequena aldeia francesa ocupada pelo exército nazista. Némirovsky retoma algumas personagens da primeira parte do livro e explora a relação entre alemães e franceses, vencedores e vencidos. Sabendo de suas condições na época, assusta a forma humana como a escritora descreve os ocupantes, mostrando suas fraquezas, mas também expondo as ternuras e esmiuçando a alma automatizada dos soldados em tempo de guerra.

Lucile Angelier é a personagem central em Dolce. Ao redor dela, que espera o retorno do marido infiel, preso pelos nazistas, rodam a sogra, burguesa dona de terras, e um tenente alemão, Bruno Von Fauk, que se hospeda na casa das duas. Némirovsky enseja uma paixão proibida entre Lucile e o militar, que conversam escondidos, fazem planos tímidos.

? Senhora, voltarei depois da guerra. Permita-me voltar. Todos os nossos problemas entre a França e a Alemanha terão envelhecido (...) Uma noite baterei à porta. A senhora me abrirá e não me reconhecerá, pois estarei em trajes civis. Então eu direi: sou o oficial alemão (...) E vou levá-la comigo.?

A quarta parte, não escrita, retrataria tempos de paz

Irène pretendia escrever outras duas partes. A terceira, Cativeiro, estava relativamente delineada. Usaria personagens das duas partes anteriores e os colocaria na Resistência, em atrito com os alemães e franceses colaboracionistas. A quarta, ela sonhava, seria a dos tempos de paz, e, sobre isso, confessava: ?Em todo caso, as três primeiras partes só cobrirão um espaço de três anos. As duas últimas são um segredo de Deus, e pagarei caro para conhecê-lo.?

Além de escrever ?Suíte francesa?, Némirovsky documentou os passos de sua criação literária e também suas impressões sobre a França em guerra. Essas reflexões, que estavam no mesmo velho caderno que as filhas salvaram, estão publicados em ?Suíte francesa? em anexo posterior ao romance.

Na edição brasileira, idêntica à francesa a não ser pela bela capa de Mariana Newlands que substitui a foto de Némirovsky (colocada na orelha), também encontramos um prefácio de Myriam Anissimov sobre a vida de Irène e as cartas que esta e o marido enviaram aos amigos parisienses em busca de um socorro que nunca veio. Ao menos, as filhas da escritora se salvaram e, com elas, este precioso tesouro literário.

FLÁVIO IZHAKI é escritor

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