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quarta-feira, setembro 27, 2006

- O que você conta de bom?

Meu avô.
Nos últimos meses sempre me recebia com um sorriso e essa pergunta. Não esperava resposta, mas um milagre.
Enfermo de uma doença ainda sem cura, mas sem jamais perder a esperança. Perguntava por uma boa notícia e queria se curar, ficar bom.

- O corpo não está mais aguentando.

Viveu entre trens e doces, como se alguma relação existisse entre duas coisas tão díspares. Quando eu era pequeno e ía no apartamento em que moravam meus avós, em Copacabana, sempre nos recepcionava com um sorvete: flocos, napolitano, chocolate. Em dias de festa, Floresta Negra.

- Melhor não abusar.

Isso nas últimas semanas.
Antes eram repetidas taças e pratos de doces. Sempre esperando alguém o servir. Educação antiga. Meu avô; sempre sério, mas que para os netos derretia um pouco sua fisionomia em taças de sorvete e sorrisos de olhos azuis. Meu avô; que jogou vôlei pela primeira vez com quase setenta anos, e apelidou seu saque de Shinkansen, o trem bala japonês.

- Você precisa andar no trem bala do Japão.

Disse isso para o meu primo, que foi para lá.
Trabalhou a vida inteira na Rede Ferroviária, chefe do Subúrbio da Central. Correu o país e o mundo de trem.
Com sete anos ganhei o bolão da Copa do Mundo de 86 do trabalho da minha mãe. O prêmio, uma pequena bolada. Gastei a maioria comprando um Ferrorama. Por que não um Autorama, como todos os garotos? Lembrei disso anteontem, quando meu avô piorou bastante e precisou ser sedado, muito possivelmente para não mais voltar.

- Descanse em paz, vô. E em sonhos me conte as boas novas.

terça-feira, setembro 26, 2006

Faz muito tempo que quero acreditar
Eu sempre quis
Ainda não
Deus

Agonizo em praça publica
Acuado na sala de espera
Preso em minhas lembranças
Preso em lembranças do que sonhei

Falta pouco
Para o fim.
Recomeço, logo em seguida
Se assim for

Um pedido é concedido
Fale em direção à luz
Murmure em pensamentos aquilo que sempre quis


Acreditar em Deus

sexta-feira, setembro 22, 2006

Nove meses

No início, o que aparecia no subtítulo desse blog era "literatura e futebol". Mas ultimamente futebol para mim é só o Flamengo, e com a base fase da equipe fui ler sobre a repercussão da série de vitórias. Acho que este ano longe do jornalismo esportivo fez as coisas mudarem um pouco. Não se pensa mais antes de publicar uma matéria. O que o entrevistado falar, tá dito, escrito e publicado.

Vejamos:

"...De acordo com ele [o pai], Obina foi muito bem-vindo, apesar de ter nascido por acaso. Dona Antonina vibrou ao falar da chegada do atacante.

- O Obina foi uma benção. Esperei nove meses para ele nascer e ele está fazendo todo esse sucesso no Flamengo - conta a mãe do jogador."

A mãe do santo Obeso esperou nove meses para ele nascer? Que coisa inusitada. A minha esperou só três dias. Acho que nasci prematuro então. E que história é essa de que ele nasceu por acaso. Neste estranhos nove meses de gestação o pai dele não percebeu que a mulher estava grávida? E a relação entre nascer e fazer sucesso no Flamengo..foi tão rápido assim?

Outro exemplo:

"- Apontei para a minha esposa e para a minha filha. As duas estavam no estádio e fiz o gol para elas - conta o jogador."

Tudo normal, se após o gol Renato não tivesse ajoelhado em campo e simulado um gesto de dar tiros com ambos os indicadores apontados em forma de revólver.

Não vou dizer em que lugar li essas duas notas porque meu objetivo não é criticar ninguém. Mas que o redator é fraco, isso é.

200 toques

Traição

Remorso é sentimento maior que palavra. Acordado, repito e acredito que a culpa não foi só minha. Mas de olhos fechados o inconsciente me acusa, e toda manhã sinto sua falta no lado frio da cama.

quarta-feira, setembro 20, 2006

Viva Vilela

Luiz Vilela é um fofo. É impossível sair de uma palestra do escritor mineiro sem dizer essa frase. Não sei se ele gosta muito de ouvir isso, possivelmente não, mas a sentença é irrevogável: Luiz Vilela é um fofo. Ontem, no CCBB, no evento chamado Laboratório do Escritor, presenciei pela segunda vez uma palestra dele (a outra foi na Flip de 2004, quando Vilela dividiu espaço com Sergio Sant´anna - os dois foram muito bem e conquistaram o público, cada um a seu jeito).

A palestra foi pensada como um talk show, na qual as duas "entrevistadoras" teriam como objetivo conseguir extrair um pouco da sabedoria e experiência do escritor para os presentes. Mas de entrevista mesmo teve muito pouco, porque o Vilela desatou a falar, contar histórias, anedotas, opiniões, certezas, tudo com seu ritmo mineiro, abrindo parênteses longos e conseguindo fechá-los mais tarde. Coisa de mestre.

Falou coisas muito interessantes, desvelou um pouco de sua rotina de trabalho - ele é conhecido por não ter pressa em entregar seus livros. Sobre o assunto, disse que a gaveta é a melhor conselheira de um escritor, e emendou com uma frase lapidar: "O escritor tem que olhar o livro como se olha uma pedra".

Não tirando do contexto, obviamente. Esta aí a seriedade e profissionalismo de um autor com 50 anos de estrada literária e que admitiu que não mostra o livro para ninguém antes de enviá-lo para a editora.

Num "papo" que durou duas horas, Vilela comentou também sobre os muitos trabalhos acadêmicos acerca de seus contos e romances. Bem humorado, relatou uma história de um professor universitário que escreveu uma tese sobre um de seus primeiros contos. Segundo Vilela, quando o trabalho lhe foi mostrado, viu que ali tinha muito mais criação do acadêmico do que seu conto. Relações complicadas e imaginativas, como o nome do jogo de carta que um grupo de amigos estava jogando (7 e meio) num velório, com a frase "a sete palmos do chão" usada em enterros, foram produtos da cabeça do professor. Depois desse e de outros exemplos, Vilela repetiu o seu bordão da noite: "Faça-me o favor".

Falou também sobre as repetidas recusas que teve quando tentou publicar seu primeiro livro. Foram muitos não em seqüência. Tantos, que em sua paranóia ele próprio escrevia as cartas de recusa mentalmente na mesma noite que enviava os originais pelo correio.

De uma editora, recebeu inclusive uma parecer não assinado dizendo que os sonetos de Camões eram mais modernos que seus contos. Pérola essa que ele guarda em seus arquivos.

A situação só mudou quando, no dia do lançamento do seu primeiro livro, que ele pagou do próprio bolso para ser rodado numa pequena gráfica - chamada grafiquinha (com g minúsculo) -, soube que tinha ganho um prêmio importante. Depois disso, as editoras passaram a disputá-lo. O resto, é história.

*

Vilela indicou a adaptação de seu conto Françoise para o cinema. O curta pode ser visto aqui. Vale a pena. No filme de 21 minutos do diretor Rafael Conde, os diálogos precisos do autor mineiro estão presentes, e a atuação de Débora Falabella recebeu inúmeros prêmios em festivais nacionais.

*

Ontem, a noite também foi de lançamento do Antonio Torres. O livro, No Fundo da Agulha, encerra a trilogia de Totonhim iniciada há 30 anos, com os livros Essa Terra, e posteriormente O Cachorro e o Lobo. Sobre No Fundo da Agulha, vale a pena ler a resenha que o Marcelo escreveu para O Globo.

No final do ano passado, voltando de ônibus do Império Serrano, numa viagem de uma hora, o Torres contou para mim e a Bá sobre o livro que estava escrevendo. De Madureira ao Centro nos deu uma palestra particular com sua simpatia e generosidade. Grande escritor, o Torres. Merece todo o sucesso que tem. E a contar pelo lançamento lotado, terá.

terça-feira, setembro 12, 2006

Sweet november

Daqui a dois meses, exatamente, sem tirar nem pôr, meu amigo Marcelo Moutinho lança seu terceiro livro de contos: Somos todos iguais nesta noite (Rocco). Conheci o Marcelo em 2003, numa festa de aniversário no Plebeu. Pouco mais de um ano e muitas Bohemias depois, estava nas livrarias o Prosas Cariocas, livro que organizamos juntos.

De lá para cá uma amizade boa, muito, e centenas de páginas escritas de lado a lado, lidas, por um e outro. Ele leu, revisou e opinou sobre o meu livro; eu li, revisei e opinei sobre o dele. Como amigos, mas também como colegas.

Trocamos os livros no mesmo mês, e combinamos de comentar no mesmo dia: página por página. Isso foi lá em casa, no primeiro semestre, e lembro que a Bá chegou e disse logo: como vocês estão sérios. Estávamos falando sobre os nossos livros, com dois calhamaços riscados à nossa frente.

Mas as boas notícias de novembro não param por aí. Tem outro título bastante esperado na praça. Henrique Rodrigues, um dos autores do Prosas Cariocas, lançará su´A Musa Diluída, pela Record.

Se não me engano conheci o Henrique, através do Marcelo, num sarau em Santa. No Prosas, ele foi escolha automática para escrever o conto sobre Jacarepaguá. Mas sua preferência sempre foi poesia, e a publicação deste livro é aguardada por muita gente desde que ele fechou contrato com a Record, ainda no ano passado. Quem leu, disse que a coisa é fina.

Então estamos combinados: dias 13 e 21 de novembro, todos para a Travessa de Ipanema.

segunda-feira, setembro 11, 2006

Na falta de novidades, cito-me (de outubro de 2004, eleição passada):

Procissão silenciosa

Quando acordo cedo sempre me sinto numa espécie de universo paralelo em que não sou convidado. Uma rinite alérgica e um pesadelo de fácil interpretação freudiana me obrigaram a levantar às 6h30 da manhã deste domingo chuvoso, dia de eleições municipais. Minha cadela, que me dava alergia com seus pêlos sempre em constante mutação, me mordia a coxa. Mas ela está morta, há meses. Naturalmente, acordei assustado e sufocado.

Confiando na tríade dos madrugadores (padaria-banca de jornal-farmácia), desci para fazer a ronda. Para minha surpresa, às 6h30 da manhã de domingo as pessoas na rua não exibem rostos de sono. Como um dia qualquer, tomam café pingado no balcão da padaria, silenciosos, mastigando cada pedaço dezenas de vezes, como que remoendo o que terão que fazer durante o dia.

O jornaleiro também me pareceu mais amigável. Nem sequer esboçou nenhum comentário quando fiquei folheando alguns jornais antes de levar O Globo. Parecia ter certeza da compra. Experiência, talvez. Quem folheia jornal às 7h acaba levando um deles para casa. Às 11h a coisa já é diferente. As pessoas parecem adquirir a consciência de que aquelas são notícias de anteontem, e não vale a pena perder muito tempo lendo folhas sujas. A farmácia, logo a que teria certeza que estaria aberta, estava com as portas cerradas. Me parece um contra-senso, mas, fazer o quê?

Depois de ler o jornal todo - até a Revista do Globo (e como é ruim a Revista do Globo) -, fui votar logo por pura falta do que fazer.

Chuvinha fina e constante, militantes pagos por 10 reais o dia desanimados e protegidos pelas marquises, ruas sujas ou quase imundas. O clima eleitoral no Rio era de extrema preguiça e, graças a ela, grande parte até suspirou aliviado com a vitória de César Maia no primeiro turno. Perder mais alguns minutos de domingo para decidir entre o prefeito e o senador universal seria demais.

Voto no Fluminense, clube que atualmente visito de dois em dois anos. Quando criança, fui outras vezes lá - em aniversários, na aba de sócios etc. O clube parece sempre igual, estacionado na década de 30 ou 40, com as paredes brancas e rachadas, os corredores longos e escuros, as escadas tortas e quebradiças.

É um belo clube, mas, pelo menos em dia de eleição, sempre me pareceu morto e organizado. Votar lá parece uma longa procissão, seguido de condolências rápidas na urna, e na volta outra procissão, como se novo enterro estivesse transcorrendo. Todos calados, consternados, em pares, sem mãos dadas, olhando para o chão. A inércia do domingo escoando como se fosse um bulevar da Bouville d´a Náusea sartriana. Um grande desfile de mortos-vivos.

Assim foi meu domingo até às 10h. Existi quando deveria ainda estar sonhando.

quarta-feira, setembro 06, 2006

Brazilian literature studies

Tenho uma prima que estuda na Universidade de Brown. Ou estudou, sei lá. Meu contato com ela é nenhum. Sempre morou nos EUA, vi duas ou três vezes na vida. Talvez um dia ela entre na biblioteca da Universidade e queira ler um pouquinho sobre o país em que os pais nasceram. Possivelmente vá se interessar pela cidade em que o pai morou e os avós ainda vivem. Talvez escolha este livro aqui. E pode ler um conto do seu primo, talvez sem nem reconhecer o sobrenome.

O livro é o Prosas Cariocas. Por meio desse mistério que é o Google Book Search, soube que ele está em oito bibliotecas norte-americanas. Além de Brown, pode-se achar na Biblioteca Pública de Nova Iórque e em Columbia, entre outras.

O Paralelos está em 10 Bibliotecas, enquanto o Contos sobre Tela está em quatro.

Uma perguntinha daquelas que não quer calar: em quantas bibliotecas brasileiras pode-se encontrar estes livros? Uma? Duas?

terça-feira, setembro 05, 2006

Frio demais, como dois anos e três meses atrás

Condicionantes

Para ler esse texto você tem que estar sentindo frio. Para ler e entender esse texto, o frio que você está sentindo tem que ser anormal, algo como um tremor de início de outono no Rio de Janeiro. Mas não existe esta estação na cidade. Porque aqui é assim: ou é verão ou não é verão. Para ler e sentir esse texto você tem que estar andando, e sentir uma brisa gelada soprar por trás da orelha. O medo. Para você entender esse texto, sentir este texto, viver este texto, tem que ser noite, escura, fechada, só com as lâmpadas frias e muito altas te iluminando. Para ler esse texto é preciso silêncio, concentração, nada de carros na rua, pessoas brindando, mouse correndo. Nada. Para ler, entender e sentir esse texto é preciso que o sinal esteja fechado, aberto pra você, para o trânsito, que não exista, e assim, mesmo assim, você estaque, como um ponto final, para depois, quando fechar, quando abrir, você reinicie, reticente, reticências... Para ler esse texto é preciso que você fraqueje, gagueje. Negue, negue tudo. O impossível desminta, para ler esse texto. E quem lerá esse texto então? Então, quem passou por isso tudo, as condicionantes, os condicionados, os condicionais? Só quem lerá esse texto, e viverá esse texto, e sentirá esse texto, e o entenderá, coitado, coitado, sou eu. Se tiver chegado até aqui. O que duvido.

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