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quinta-feira, dezembro 28, 2006

Seis motos, dois garotos em cada uma. Sorrisos em rostos esticados pelo vento. Parecia uma cavalaria; armada.

Isso na sexta, esperando o ônibus em São Januário, do trabalho para casa. Eles passaram zunindo. Antes a polícia apontara na direção contrária. Polícia-e-ladrão, brincadeira de criança, video-game sem interface segura.

Mais tarde, três da manhã, voltando feliz de um chope com os amigos, entre a Conde de Baependi e a São Salvador, quase as vistas da minha janela, encostado na parede do Corpo de Bombeiros - "Nossa missão é salvar sua vida" -:

- Ei, pára aí.

Um gigante de fraldas. Maior que eu, mas da metade da minha idade. Gritou do outro lado da rua:

- Ei, pára aí.

Ao lado, sua miniatura, da metade do meu tamanho, com um quarto do meu peso. Cheirava cola. Os dois cheiravam cola.

Corri.

No jornal de hoje: "Traficantes prometem lavar a cidade com um Rio de sangue". Letras vermelhas, garrafais.

Na rua do metrô, vindo para o trabalho, o Caveirão aponta na esquina. Atrás, cinco carros do Core, os policiais cospindo os canos de suas metralhadoras pela janela. Vejo o rosto de um deles: tem medo. Os olhos parados. Os carros sobem a ladeira do morro que fica em frente a estação. Não ouço tiros.

Decido andar em outra direção, seguir para a próxima estação, Largo do Machado. Chego atrasado.

Aqui, entro na Internet: "Traficantes queimam ônibus na Linha Vermelha: 15 mortos". Nos comentários, todos xingam o casal Garotinho, as ongs, os deputados, os traficantes, os policiais corruptos eleitos deputados, se xingam, se xingam.

Na manchete ao lado: "Líder do PCC se casará na cadeia".

terça-feira, dezembro 26, 2006

Eu li bastante neste ano, mas obviamente não dou conta de tudo que chega às livrarias. Mas aqui está uma lista de 15 livros que foram lançados (ou reeditados em 2006) que recomendo:

A história do amor, Nicole Krauss
Somos todos iguais nesta noite, Marcelo Moutinho
A musa diluída, Henrique Rodrigues
Segundo tempo, Michel Laub
Movimento pendular, Alberto Mussa
Inverno na manhã - uma jovem no gueto de Varsóvia, Janina Bauman
Um amigo de Kafka, Isaac Bashevis Singer
O faz-tudo, Bernard Malamud
Pelo fundo da agulha, Antônio Torres
Mãos de cavalo, Daniel Galera
Amphitryon, Ignacio Padilla
Suíte Francesa, Irène Némirovsky
Hoje está um dia morto, Andre de Leones
Obra reunida, Campos de Carvalho
Contos de Pedro, Rubens Figueiredo

quarta-feira, dezembro 20, 2006

O cheiro que antecipava o homem

Antes de falar, fedia. Apareceu de alguma dobra no tempo, despertou de uma vala imunda falando como se o dom da palavra lhe tivesse sido apenas momentaneamente devolvido.
- É romance? - eu lia Isaac Bashevis Singer, como faço todos os dias indo para o trabalho.
Fedia.
Não, respondi com breve tremor de cabeça, ainda sem coragem para olhá-lo.
- Palavra de Deus? - e de sua boca a podridão de mil livros reciclados em papel higiênico.
Tentando parecer natural murmurei que eram contos e pela primeira vez olhei para a sua boca, apenas um dente escurecido pendendo das gengivas gastas, quase brancas. Vestia-se com etiqueta: camisa pólo amarela, calça social bege ...kichute.
Levantei os olhos; ele me encarava, sorrindo.
- Fiz Letras, e você?
O cheiro novamente.
Conversar seria impossível, mas respondi, automático.
- Jornalismo.
Ele sorriu. Ou manteve o sorriso esticado até o ponto em que as bochechas agüentavam segurar o rasgo no rosto, o dente canino vazando para fora da boca.
- Tenho muita experiência com comunicação de massa.
A vontade de rir.
- Leu Erico Verissimo?
- Leu Jorge Amado?
Tremeliquei a cabeça negativamente, ou pensei em fazê-lo.
Por sob os óculos fundo de garrafa ele tentava enxergar a capa do livro que eu segurava, engatilhar um novo assunto. Indiscretamente puxava o livro mais para o meu colo, tentando escondê-lo. Ele acompanhava o movimento, descaradamente, tentando vislumbrar o título, o autor, alguma coisa.
De uma hora para outra ele começou a se agitar no banco, apoiava a mão na cadeira da frente, olhava para os lados, para trás.
O grito:
- É baiano?
O susto.
Não falava mais comigo. Tinha levantado do meu banco e pulara para outro.
Ninguém em volta, o ônibus vazio.
- Tem cara de baiano.
Silêncio.
- Eu sou baiano.
E continuou:
- Carioca?
Fechei o livro, abri meu caderno e comecei a rabiscar algumas anotações; sobre ele, naturalmente.
Sem virar a cabeça, apenas com o rabo de olho, procurei pelo velho. Ainda sentado, mirava a janela, cabeça colada no vidro quente.
O cheiro.
- Tá escrevendo o que? -, ele voltara.
Terminei uma palavra difícil de equilibrar no marulhar do ônibus, que se espraiava entre duas linhas, me enchi de coragem para responder que era sobre ele que escrevia. Mas minha voz se perdeu, ele não estava mais ao meu lado, nem atrás, na frente, do lado de fora do ônibus.
Não estava. Nem seu cheiro.

sexta-feira, dezembro 08, 2006

*


[...] Quando Ana ficou grávida, eu não estava em casa. A menstruação atrasada, o sonho possível, e ela não esperou que eu chegasse do trabalho para fazer o teste, refazê-lo, sorrir, gritar, sorrir, chorar, sorrir. Grávida como sempre fora seu sonho, adiado por cinco anos pelo destino, desencontro dos meus melhores espermatozóides com os óvulos dela.

Ficou grávida, mas não me contou, preferiu engolir sua felicidade por uma semana, a consulta no ginecologista marcada, os testes requisitados. Mas falou para a mãe, irmã, e acabei sabendo da gravidez antes dela me contar. Hoje, entendo que ela talvez estivesse certa em me proteger, se proteger de uma eventual desilusão com o rebate-falso. Contar para o marido, pai, que está grávida, grávida de um filho dele, já é dar a luz antes da hora, e isso costuma dar azar quando feito sem a confirmação oficial, redundância necessária.

A intenção poderia ser nobre, mas a briga que se seguiu não foi. Ao descobrir que minha mulher, Ana estava grávida pela boca, sorriso alheio, recebi a notícia como traição. Ana estava sentada no sofá, grávida sem barriga, e desmontei seus olhos em lágrimas com um grito, discussão. Ela defendeu-se, tentou, contou os motivos que já descrevi. Na hora eu nada escutava, um fio de alta tensão que se arrebenta da fiação e sai chicoteando eletricidade, desgovernado, rindo, chorando, berrando, correndo pela sala, quarto, cozinha.

Ana jamais virou para mim com os olhos negros declamando sua gravidez. Ficara grávida comigo fora de casa. Seu sorriso no momento exato da confirmação, ainda a extra-oficial, restou definitivamente preso em um depósito de purezas esquecidas. A que nunca tive ou terei acesso.

Perdemos o bebê no terceiro mês, depois no segundo, no terceiro novamente. Na quarta gravidez, já sem sorrisos, autômatos como um passarinho que bate continuamente a cabeça num vidro que não vê enquanto a vida ainda lhe faz bater as asas, o feto sobreviveu, virou bebê. No quinto mês Ana e eu ousamos comprar o enxoval. Sapatinhos azuis e rosa, roupinhas verde e vermelhas, fraldas, muitas, de vários tamanhos, berço, brinquedinhos. No sexto mês o bebê já tinha nome, Rodrigo se fosse um menino e Cláudia, Cacau, se menininha, o docinho do papai.

No sétimo mês morreu, morremos também, Ana e eu, ela agora já enterrada, eu soterrado em memórias e silêncios que sucedem a vida na prorrogação da vida. [...]

* trecho do que pode vir a ser meu segundo livro, que gesto enquanto o primeiro não sai.

terça-feira, dezembro 05, 2006

Notas vice-adas

Genial a sacada da primeira página de O Globo de hoje. A manchete conta que os promotores aumentaram o próprio teto (e hahaha, consequentemente salário) para 24.500 reais. Tímida, do lado esquerdo, a outra chamada principal do jornal era que o ministro Mantega estuda aumentar o salário mínio para 367 reais.

*

Na capa do JB, a manchete, até certo ponto bem sensacionalista: 30% dos flanelinhas são ladrões.

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Redação de vestibular: aluninho querido, faça uma dissertação de 30 linhas sobre a relação entre as notícias acima.

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Até na festa de premiação do Brasileirão o Vasco amealhou mais três medalhas de vice. Morais, Andrade e Renato subiram ao palco com cara de azedo para receberem sua prata. Depois do "vice da vaga", outros vices. Estão vice-ados. hahaha.

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Custa chamarem apresentadores que entendam de futebol? Taís Araújo, Evandro Mesquita e os organizadores do evento pagaram mico atrás de mico.

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Gramaticalmente existe uma diferença entre contratação e reforço, embora jornalistas esportivos usem as palavras como sinônimos. Nilmar seria um reforço. Leonardo, Maicossuel, Thiago, Moisés, Jaílton, Luizinho, Henrique e Roni são as contratações que Márcio Braga, reeleito ontem à noite, fará para o Flamengo disputar a primeira fase da Libertadores.

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