<$BlogRSDUrl$>

sexta-feira, março 30, 2007

De onde vem essa tristeza que me assoma todos os dias com horário marcado? Olho o passado recente e rememoro cada gesto, pensamento; a leitura do seu e-mail, as páginas do livro interrompido pelo seu silêncio no telefone (era você?) - e nada.
Essa tristeza se apossa sem motivo, rastros, pegadas. Justifica-se e identifica-se pela falta de explicação, sentido. Rememoro cada sonho não concretizado -, mas não, esse não é o motivo. A tristeza talvez seja das decisões que tomei, das escolhas que decidi não fazer, das lacunas que preenchi com desculpas, medo. Não, nada disso. Essa é uma tristeza com hora marcada, gasta pela rotina. É uma tristeza que já nasce sem sentido, acontece sem força todos os dias, me arrassa sem precisar de cores, relevos.

Coleção Vagalume

Um nome perpassa silenciosamente os últimos posts deste blog. Escritor convocado no projeto Amores Expressos - destino Roma - e roteirista de O cheiro do ralo. Por coincidência também li nas últimas semanas um de seus livros, Famílias terrivelmente felizes, uma coleção de contos escritos pelo autor dos anos 1980 até início do século XXI.

Ontem, remexendo nos armários de livros infanto-juvenis do apartamento dos meus pais, puxei um amarelado A Turma da rua quinze, uma das leituras que mais gostei entre as obrigatórias do primeiro grau.

O autor? O mesmo deste currículo todo acima, e de mais um punhado de livros e roteiros: Marçal Aquino.

Isto sim é uma bela carreira literária.

quinta-feira, março 29, 2007

Todos os dias

Lendo e maravilhando-me com Todos os dias, do português Jorge Reis-Sá, safra 1977. Primeiro romance do gajo (também poeta e editor da Dom Quixote). O livro sai em junho/julho por aqui...

"Vejo a casa, ainda dentro do sono. E sinto-lhe a noite, a sua escuridão, o ar frio da manhã surgindo, o sol, a tarde, a trovoada no crepúsculo e a noite, a sua escuridão outra vez. Vejo a casa e sinto-lhe o som da palavra que lhe dá nome. Como se o nome lhe desse sentido, como se a sílaba que lhe dá entrada nos fizesse entrar na casa - ou pela cozinha, ou pela porta que dá para a varanda sobranceira ao pátio. Porque a entrada é aberta por uma porta como a palavra é aberta pela boca que a diz. Casa. E a porta abre-se. Casa, e eu deitado nesta cama, dormitando no limiar da consciência, com o sono a cobrir-me as pálpebras mas o som do nome da casa a despertar-me os sentidos. Casa, e a porta da sala a abrir-se nesse nome, com a varanda prolongando-lhe a primeira vogal."

quarta-feira, março 28, 2007

Esse cheiro que você tá sentindo é do ralo

No meio da mesmice do cinema brasileiro dos últimos três anos, uma constante repetição de enjeitados do Nordeste e sua estética feia-bonita, e das comédias de situação da Globo Filmes, esse O cheiro do ralo é um alívio.

Mas há quem não ache isso, como mostra a matéria do Globo em que três críticos divergem se o filme é bom ou não. Mas O cheiro do ralo está acima disso, dessas picuinhas carregadas de ranço, como nas demais áreas culturais. Ninguém analisa uma obra sem um a priori cada vez mais pesado, e isso, sinceramente, tem deturpado boa parte das análises de filmes, livros e peças.

Voltando ao ralo, o personagem principal, Lourenço, é maravilhoso, maior que o filme, que a trama, as boas atuações do elenco (excluíndo a noiva), que o desfecho algo boboca. Lourenço não é a falta de moral, como uns escrevem, é a deturpação dela, uma pessoa pequena em posição de grande, mas que, sozinho, sabe de sua pequenez e só anda de cabeça baixa.

Lourenço é humor puro - a história do pai biônico -, o desgraçado que recebe perdão antes de pedir desculpa, o enjeitado que antes enjeita. Uma beleza esse O cheiro do ralo, do livro, ao roteiro, diretor e fotografia.

*

Eu adoro Woody Allen, especialmente os diálogos e sua atuação. Nisso ele continua afiado, mas não tenho gostado dos últimos roteiros. Tudo sempre gira em torno de um golpe/crime. Repetiu-se essa fórmula, recentemente, em Scoop, Match Point, no filme em que ele era um cineasta que fica cego e em um outro que planeja um assalto e acaba ficando milionário. Os filmes são agradáveis, mas não passam muito disso. O genial Woody Allen, quem diria, virou um roteirista de golpinhos.

quinta-feira, março 22, 2007

Saiu a lista de 20 nomes de jovens autores da literatura norte-americana (ou radicados por lá) da revista Granta . Soube da notícia via blog do Prosa e Verso. A lista é interessante e traz quatro nomes publicados no Brasil (que eu saiba): Johnattan Safran-Foer, Nicole Krauss e Uzodinma Iweala, que estiveram na Flip ano passado, e Maile Meloy.

Listas são sempre um farol, mas vale a pena olhar para trás e comparar com a da mesma Granta em 1996. Apenas Jeffrey Eugenides e Johnatan Frazen, que também estiveram na Flip, são nomes fortes no Brasil.

Sinal que ainda temos muitos jovens autores americanos para publicar...

Mas e os brasileiros? Como seria uma lista de jovens brasileiros (e estipulo como jovens autores com menos de 40 anos)?

quarta-feira, março 21, 2007

Amores expressos II

Atenção: este post é uma continuação do anterior. Por favor, leiam o outro primeiro.

Pensando sobre o assunto e relendo as matérias que saíram sobre o assunto reparei que tinha uma coisa me incomodando: a questão do projeto ser multimídia. Sinceramente não vejo a menor necessidade dessa etapa do projeto. Segundo consta, uma equipe de filmagem vai gravar três dias da rotina de cada um dos autores nos 16 países para um posterior documentário.

É aí que a coisa pega. Qual o interesse desse documentário em termos literários? Nenhum. Pelo contrário, até atrapalha. Lembrem-se que cada autor terá apenas um mês em cada cidade, uma imersão total, suponho. Mas não: por três dias o autor terá que ser ele mesmo em frente à câmera. Imagina um sujeito que está em Istambul, num transe-literário, dia 21 da viagem: pára tudo. Amilcar Bettega, amanhã chegamos aí para filmar, quero que você prepare um roteiro de três dias pela cidade. E lá vai o próprio escritor forçar um riso em frente a câmera: "Aqui é o mercado popular, ali a meca de tal". Tudo em primeira pessoa. Não vai me dizer que vão gravar o autor fazendo o que estiver fazendo, que isso é impossível na prática. Ninguém se comporta igual sabendo-se filmado.

Estranho, não?

Mas não é só isso. No papel, fazendo umas contas por alto, cheguei a conclusão que quase metade do orçamento vai ser destinado a essas filmagens. Vejamos os custos: passagens e hospedagens de três dias para a equipe de filmagem (ou no mínimo para o diretor-câmera), acomodações, alimentãção, fitas, posterior custo de aluguel de ilha de edição, editor e por aí vai). São 16 viagens, pessoas, olha que loucura.

Na minha opinião essa parte desvirtua o inédito caráter literário da captação-empreitada e mantém um ranço de que apenas projetos de cinema pode ser dignos da Lei Rouanet.

terça-feira, março 20, 2007

Amores expressos

Foi preciso um projeto vultuso como esse Amores expressos para discutirmos o uso de dinheiro público na literatura com a aplicação da Lei Rouanet. Para os menos informados, esse expediente já é utilizado por editoras, especialmente pequenas e médias, para a publicação de títulos específicos patrocinados por grandes empresas. Acontece que dessa vez o valor é bem maior 1,2 milhão de reais, e, principalmente, o projeto é literário.

Dezesseis escritores foram contemplados com uma viagem, com estadia e gastos pagos, para lugares interessantes do mundo, além de uma bolsa de 10 mil, fora os possíveis direitos autorais. É uma boa grana, mas não é um valor absurdo, visto que acredito que os três meses para a viagem e escrita da novela devem merecer dedicação integral.

O fato gerou grande repercussão, mascarada pela questão da escolha desses felizardos, mas que na verdade esconde um certo ressentimento em relação ao suposto gasto público que estaria bancando a empreitada. A Lei Roaunet, como se sabe, confere um certificado para que uma empresa - ou mais - possa bancar empreitadas culturais com o dinheiro de imposto - ou seja, iria para o Governo utilizar, de acordo com o seu plano de orçamento em educação, deputados, saúde, mensalão e quejandos.

O dinheiro do Unibanco - vamos supor que seja ele quem vai bancar a brincadeira - poderia ser usado para coisas mil. Mas por que não se vê ninguém reclamando da grana que é captada para filmes? Um filme como Ô paí ó tem no trailer nada menos que quatro selinhos de empresas com alguma ligação com o dinheiro ou patrimônio público: Petrobras, Bndes, Eletrobrás e Governo do Estado da Bahia. Se o cinema pode - e, por favor, quem tem acesso me diga quanto a diretora e o roteirista, por exempo, vão ganhar dessa grana captada, acredito que no mínimo os mesmos 10 mil, por que não a literatura?

Muito simples. Existe um ranço de que literatura é acima de tudo arte e renuncia e o escritor merece mais é morrer de fome. Olhando os nomes dos escolhidos é possível perceber que a maioria não tem emprego fixo, vive somente do que escreve - livros, palestras, projetos etc. Será que isso é o início da profissionalização tão sonhada?

Em outros tempos, bolsas esporádicas em universidades estrangeiras eram o caminho ansiado pelos escritores. João Gilberto Noll, Sergio Sant'anna e outros tiveram esse privilégio. Milton Hatoun vai para Stanford. Quem recusaria? Um livro escrito nessas condições, como Lorde, merece ser desprezado por ter sido escrito com dinheiro de outrem?

Ah, mas dessa vez é dinheiro público - meu, seu, nosso - dirão os nervosos. Mas se não for assim, e louve-se o Rodrigo Teixeira pelo périplo pela burocracia e assessores de marketing que deve ter enfrentado, como um projeto desses - belíssimo, repito, - poderia sair do papel? O Governo limita-se a comprar livros consagrados para o ensino fundamental e médio. Não existe uma política de compras para bibliotecas públicas, nada.

Portanto, louvo o projeto e a escolha da maioria dos autores, e, sinceramente, anseio pela oportunidade de poder ler os novos trabalhos de escritores que admiro que estão no projeto, e até me surpreender com os que nunca li.

Para finalizar, espero que a Cia das Letras tenha a sensibilidade de fazer um preço compatível com o tamanho das novelas e os gastos - mínimos - que terá. E que a contrapartida social que o Governo exiga seja de que cada título tenha uma porcentagem distribuída para as bibliotecas públicas.

This page is powered by Blogger. Isn't yours?